Sujeito se infiltra na casa de família de melhor condição financeira. Passa a conviver com essas pessoas. Em algum momento haverá violência. A grosso modo tal sinopse nos remete a Parasita, o grande vencedor do Oscar 2020.
A comparação é inevitável. Tal qual o filme sul-coreano, a produção espanhola A Casa, disponibilizada recentemente pelo Netflix, também aborda diferenças sociais.
No entanto, a dinâmica é um pouco diferente. Se a obra de Bong Joon-ho nos apresentava duas famílias em situação social completamente diferentes, uma pobre e outra rica, aqui conhecemos Javier Muñoz (Javier Gutiérrez).
Publicitário veterano, respeitado, que fez campanhas memoráveis. Vive num espaçoso apartamento com a esposa Marga (Ruth Díaz) e o filho pré-adolescente. Vida dos sonhos. Mas está desempregado. Os tempos mudaram. Os gestores das agências agora são jovens. Com ideias diferentes. Nas entrevistas de emprego, é humilhado. Não quer abrir mão do status.
Sua companheira, de bom senso, pede pela mudança a um bairro onde o custo de vida seja mais barato, ao menos até a situação voltar a melhorar. Precisariam, inclusive, vender o carro. O protagonista, inconformado com o novo estilo de vida, fica obcecado em saber quem ocupou a antiga residência luxuosa. Daí em diante veremos uma série de situações inusitadas, bizarras, envolvendo até o jardineiro do prédio.
Os cineastas irmãos David Pastor e Àlex Pastor são jovens e possuem no currículo vários trabalhos como roteiristas e alguns na direção, como o premiado Os Últimos Dias (2013). A juventude é perceptível na energia que conduzem a trama. Estranha-se a falta de câmeras de vigilância no edifício onde a maior parte da história é desenvolvida. E a situação do jardineiro é encerrada meio ao solavanco. Não dá para entrar em mais detalhes.
Ao mesmo tempo o filme nos faz refletir questões importantes. Que têm a ver com o momento que passamos graças à crise causada pela pandemia do covid-19 (coronavírus): de revermos conceitos, códigos sociais, formas de viver e de nos relacionarmos e apresentarmos à sociedade.
Em A Casa, o status para Javier está acima do bem-estar, das relações humanas. Além de ter, é preciso mostrar que tem. Desde jovens somos bombardeados a consumir, esbanjar, seguir padrões. Filmes como A Grande Virada (2010), com Ben Affleck, e Psicopata Americano (2000), com Christian Bale, abordavam relações neste sentido. Em comum, essas produções nos mostram personagens que priorizam a melhor roupa, o melhor cartão corporativo, o carro do momento, etc. Nunca estão completamente realizados. Com o coronavírus, temos aprendido na marra (será?) o que realmente vale à pena.
No filme espanhol há ainda o conflito de gerações, a maneira cruel como o mercado de trabalho trata os mais velhos. Momentos que ganham peso graças ao elenco competente, encabeçado por Gutiérrez (de vários prêmios) e Mario Casas (do ótimo thriller Um Contratempo, 2016, no Netflix), que interpreta o novo morador do apartamento luxuoso.
Por sinal, vale ressaltar essa leva de produções audiovisuais da Espanha que, ao estilo da França, leva ao público histórias de mistério e adrenalina ao jeitão hollywoodiano: o próprio Um Contratempo, O Silêncio da Cidade Branca (2020), O Poço (2020) e as séries Toy Boy e a manjada La Casa de Papel, todos disponíveis na plataforma de streaming.
A Casa
Hogar
Espanha. 2020.
Direção: David Pastor, Àlex Pastor.
Com Javier Gutiérrez, Mario Casas, Bruna Cusí, Ruth Díaz.
103 minutos.