Filmes são reflexos de sua época. Não importam o gênero, se a trama ocorre no passado, no futuro, no presente. Se mergulham na fantasia ou não. A visão de um cineasta sempre vem carregada da experiência pessoal, do contexto do mundo.
O Oficial e o Espião, mais recente trabalho de Roman Polanski, é baseado no famoso caso de linchamento público vivido pelo Capitão Alfred Dreyfus em 1894. De origem judaica, o oficial de artilharia do exército francês foi condenado por alta traição. Injustamente. O veredito baseava-se em documentos falsos. Quando os oficiais de alta patente perceberam o absurdo, tentaram ocultar o erro judicial. Eram tempos de xenofobia e nacionalismo na Europa do final do século XIX. Alguém pensou nos dias atuais?
Tanto no Caso Dreyfus como em vários relatos de fake news do mundo moderno, a pessoa é condenada antes de ter a chance de defender-se. Polanski, responsável pelo roteiro em parceria com Robert Harris, autor do romance An Officer and a Spy, faz um tratado sobre a injustiça. Aborda o antissemitismo, tema recorrente em sua filmografia (inclusive em O Pianista, que lhe rendeu o Oscar). Ele que viveu os horrores do Holocausto.
Por outro lado, parece gritar ao mundo contra as acusações de assédio que enfrentou e enfrenta. O cineasta é condenado nos EUA por estupro de menor e só consegue filmar em países onde não pode ser extraditado. É alvo frequente de protestos. Como na última edição do Cesar, o “Oscar francês”, quando recebeu os prêmios de direção e roteiro adaptado mas não compareceu à cerimônia. Centenas de mulheres compareceram aos arredores da Sala Pleyel, em Paris, indignadas com as doze indicações da obra – cujo currículo incluir, ainda, o Cesar de figurino e quatro prêmios no Festival de Veneza.
Em O Oficial e o Espião, o diretor volta a trabalhar com a esposa, a atriz Emmanuelle Seigner. Louis Garrel (de Os Sonhadores, 2003), filho do diretor Philippe Garrel e da atriz Brigitte Sy. interpreta Dreyfus. Uma de suas melhores atuações na carreira. Jean Dujardin, Oscar de melhor ator pelo já esquecido O Artista (2011), vive o oficial Picquart, que decide investigar o caso após encontrar contradições nele.
A trama começa meio devagar, demora pra entregar, mas a partir da metade deslancha. Polanski mantém o competente nível de sua carreira. Reúne bons atores e levanta temas importantes. A questão, porém, é saber como separar o artista da pessoa?
O Oficial e o Espião
J’accuse
França, Itália. 2019.
Direção: Roman Polanski.
Com Jean Dujardin, Louis Garrel, Emmanuelle Seigner, Grégory Gadebois, Wladimir Yordanoff.
132 minutos.