Depois de “vingar” as mulheres (“À Prova de Morte”, 2007), os judeus (“Bastardos Inglórios”, 2009) e os negros (“Django Livre”, 2012), Quentin Tarantino volta a explorar a intolerância em “Os Oito Odiados” (2015). Com personagens de diferentes gêneros e etnias, o filme pode ser enxergado como metáfora da construção dos EUA, feita à base de explorador e explorado. Também é uma nova reverência do cineasta ao faroeste, que tanto tem influenciado sua obra. Acima de tudo, é um típico trabalho dele, com tudo que seus admiradores esperam e boa diversão.
Somos apresentados à diligência que traz o carrasco John Ruth (Kurt Russell) e sua prisioneira, a famosa assassina Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh). Eles seguem rumo a Red Rock, onde o veterano pretende trocá-la por um prêmio em dinheiro. Com uma nevasca no encalço, encontram pelo caminho o caçador de recompensas Marquis Warren (Samuel L. Jackson) e o xerife Chris Mannix (Walton Goggins), prestes a ser empossado na cidadezinha. Quando as condições climáticas pioram, os quatro e o cocheiro O.B. são obrigados a se hospedar no Armazém da Minnie. Lá estão quatro desconhecidos. John Ruth desconfia que algum deles seja parceiro de Daisy e tente libertá-la.
É o novo flerte de Tarantino com o western, presente de diferentes formas em seus trabalhos. “Django Livre”, o anterior, lhe rendeu um segundo Oscar de roteiro original (o outro foi por “Pulp Fiction”). Foi divulgada a influência dos clássicos “Três Homens em Conflito” e “Sete Homens e um Destino”, é verdade. Mas o cineasta chega a um momento de sua carreira em que consegue dialogar com sua própria obra.
Estão lá o ambiente claustrofóbico repleto de pessoas que desconfiam umas das outras e o clima de tensão iminente de “Cães de Aluguel” (o armazém onde os bandidos se encontravam pós-assalto) e “Bastardos Inglórios” (a taverna), agora de forma constante e ao longo de toda a trama. Bem como os diálogos espirituosos e a divisão da história em capítulos. O autor cria um tipo de brincadeira com o público, ao instigar a vontade pela violência: leva bastante tempo até o primeiro tiro ser disparado. É como se ele dissesse: “Vocês gostam disso. Mas vão esperar”. A personagem de Samuel L. Jackson, em determinado momento, pede paciência a um colega que quer fuzilar outro homem dentro da cabana.
O elenco traz à tona diversos atores que já atuaram sob a tutela do diretor: Tim Roth, Michael Madsen, Samuel L. Jackson e Kurt Russell. Este último esteve em “A Prova de Morte” e fez uma pequena ponta (quase imperceptível) em “Django Livre”. É sabido que Tarantino gosta de resgatar intérpretes que estiveram no auge em Hollywood. Foi assim com John Travolta em “Pulp Fiction”, Uma Thurman em “Kill Bill” e a tentativa com Russell em “À Prova de Morte”, o filme menos celebrado do diretor. Dessa vez, a máxima funciona para Jennifer Jason Leigh, que se diverte na pele da ensandecida Daisy. Atuação que lhe garantiu ao Globo de Ouro de atriz coadjuvante. A cereja do bolo fica por conta da trilha sonora do mestre italiano Enio Morricone, que dispensa apresentações.
Talvez não fossem necessárias as narrações em off de Tarantino, especialmente a primeira – conseguiríamos entender completamente os acontecimentos sem ela. Nada que estrague o longa. Divertido, com a velha violência de cartum, “Os Oito Odiados” é também uma metáfora da América (como os EUA é chamado por seus habitantes) construída à base de violência, alianças, traições, revolta contra seus opressores e opressão de tantos outros. Não é o melhor Tarantino. No entanto, é um filme de Tarantino do qual gostamos.