Finalmente, após meses de ansiedade, assisti “Hair”, adaptação brasileira de Charles Möeller e Claudio Botelho para o clássico musical lançado originalmente em 1967. Foram três horas mágicas. O espetáculo é tudo aquilo que tem sido falado e mais um pouco: belo, inesquecível, contestador, sensual, hipnótico, emocionante, às vezes triste, às vezes engraçado, místico, real, atemporal, universal, intenso, sensível, louco, inteligente. Desde figurinos, à banda, as letras em português que não perdem o sentido do original, e o elenco espetacular.
Tudo é excepcionalmente foda, é do caralho, com o perdão das palavras. É um tiro no peito. É um recado poderoso. Não apenas nas questões de liberdade sexual e igualdade social. É sobre humanidade. Respeito ao próximo. Aquele lance de fazer o que se tem vontade, desde que não se faça mal a outra pessoa.
No fundo, é uma mensagem simples. E por isso mesmo chega a ser aterrador, que uma obra lançada originalmente em 1967, continue tão atual. O mundo evoluiu? Não cientificamente ou tecnologicamente, questiono… Boa parte da sociedade continua careta, hipócrita, conservadora, preconceituosa ao extremo. Os rótulos são jogados ao léu. Não é por que alguém bebe, usa algum tipo de droga, que é bandido. Da mesma forma que não é por que eu jamais fumei, que sou chato, monótono.
E “Hair” só não vai causar algum impacto em quem não tiver um pingo de sangue na veia, sensibilidade. Quem tiver, não sairá sem sentir alguma angústia, uma mistura maluca de sentimentos: de alegria, e aperto no coração.
Impossível ficar indiferente. Você fica com vontade de sair dançando, cantando. Fica impressionado com a seriedade da cena de nudez frontal, com a entrega e coragem dos atores, e o semblante dos personagens no momento de indignação. Sim, é uma cena de indignação, protesto.
E as lágrimas vão surgir. Aos montes. Especialmente na última música: “Deixe o Sol Entrar”. E não serão somente pela melodia e as vozes. As lágrimas vão escorrer sem parar: por que haverá remorso, em ter agido várias vezes de maneiras as quais a peça combate. Por reconhecer o preconceito que temos em relação a várias coisas.
Mas também vão escorrer por alegria. Por que você vai sacar a mensagem da peça. E vai perceber que mesmo ante todos os seus defeitos, o fato de sacar a mensagem é um começo. É sinal de que um caminho bacana foi apontado. Vão escorrer por gratidão: em ver que há pessoas que ainda investem no bem. Gratidão aos sujeitos que criaram o espetáculo, as canções… há mais de 40 anos.
Vão escorrer por que você vai perceber que não precisa ser santo. Que é humano ter milhares de defeitos, mas o importante é combatê-los diariamente, principalmente os preconceitos que ganhamos ao longo da vida, em virtude de vários fatores a nossa volta.
Tanto faz se você é branco, negro, mulato, amarelo, ruivo, pobre, rico, gay, hétero, bi, católico, ateu, muçulmano, espírita, santista, corinthiano, palmeirense, são-paulino, brasileiro, norte-americano, virgem, experiente sexualmente, nerd, esportista, paralítico, etc, etc, etc… Tanto faz! Você é humano. Ponto.
Vão escorrer por que, sim, há uma luz no fim do túnel. Afinal, durante três horas, cerca de 500 pessoas estiveram diante de uma obra de arte, de mensagens de paz e amor, algo raro se comparado ao bombardeio alienante e imbecil do qual somos alvo diariamente. E vi “Hair” no teatro. Vi o filme várias vezes.
Peça e filme têm histórias diferentes. Mas a essência é a mesma. E toda que vez que vejo ou ouço alguma das músicas não sou mais a mesma pessoa. E é isso que faz uma obra de arte durar tanto tempo, mexer com várias gerações. Fazer alguém escrever feito louco como eu agora, aqui. Mesmo diante de um trabalho que, no fim das contas, traz uma mensagem simples, básica: para viver em harmonia, bastaria, somente, deixarmos o sol entrar. Por quê, então, é tão difícil?

Puxa André, parabéns pelo texto. Assisti anteontem no Auditório Ibirapuera. E senti a mesma coisa, também sou fã do filme. Paz & Amor
Quando vi “HAIR”, estávamos todos – e me refiro às pessoas de bom-senso – indignados com a guerra do Vietnã e que motivou os autores da peça a realizá-la e Forman a dirigir o filme. Aqui, assisti no Coliseu e depois no Teatro São Pedro, em SP. A versão brasileira foi também ótima, com tanta gente boa no elenco, como Bogus, Altair Lima, Ariclê, minha amiga Célia Olga, Sônia Braga, Bibi Vogel, Aracy Balabanian, Laerte Morrone e tantos outros. Foi um marco numa época difícil, com o AI-5 em plena vigência e a censura marcando de forma implacável.