Quando nós, ocidentais, achávamos que o cinema japonês se tornara produtor exclusivamente do gênero de terror, eis que surgiu uma obra para arrebatar corações e mentes do mundo inteiro. “A Partida” levou o Oscar de filme estrangeiro em 2009, venceu 10 categorias na premiação da Academia Japonesa de Cinema e mais outros 21 prêmios ao redor do globo. O sucesso de crítica é mais que merecido, mas a obra não é apenas de um “filme de arte”, seja lá o que signifique esse termo. Trata-se de um veículo para todos os públicos, raças, nacionalidades, cuja trama parte de uma tradição nipônica para versar – sem apelar para o melodrama – de forma universal e sensível sobre amor, transformação, perda, orgulho e esperança.
O título do filme se refere à cerimônia que prepara o corpo de um recém-falecido antes que ele seja colocado dentro do caixão. Masahiro Motoki (“A Mais Longa Noite em Xangai”) vive Daigo Kobayashi, violoncelista que é obrigado a abandonar a carreira, devido à dissolução da orquestra onde tocava, e retorna à sua cidade-natal, onde passa a trabalhar como uma espécie de agente funerário, emprego que consiste em lavar, vestir e maquiar os mortos antes dos velórios e enterros.
A profissão é vista com olhares tortos por amigos, conhecidos e sua esposa, interpretada pelo fenômeno japonês Ryoko Hirosue (de “Wasabi”, longa com Jean Reno, produzido por Luc Besson), que além de atriz, também é cantora de muito sucesso na terra do sol nascente. Mas com o tempo, Daigo se afeiçoa ao trabalho e vai transformando a opinião da amada.
Nas mãos de um cineasta menos talentoso, o longa poderia soar deslocado aos olhos ocidentais, porém o diretor Yôjirô Takita, escudado por um roteiro simples e eficiente (que mescla em doses certas drama, romance e comédia), bela trilha sonora e elenco inspirado (destacando a química entre o casal protagonista e o veterano Tsutomu Yamazaki, no papel do chefe de Daigo), transcendeu qualquer barreira étnica que pudesse existir e realizou um filme sublime, utilizando símbolos orientais para fazer poesia universal.
A maquiagem utilizada nos corpos pode parecer esquisita para quem vive no Ocidente, mas significa o desejo de que, pra onde quer que aquela pessoa querida esteja partindo, continue bonita como foi em vida, e possa estar em paz. Não que os japoneses não sintam dor e/ou saudade pela perda. Sentem. Só que têm fé suficiente para acreditar que a tal partida, nada mais é que uma passagem para algum lugar melhor.
Se nos últimos tempos nos acostumamos a elogiar o lirismo de longas chineses, feitos por diretores como Zhang Yimou (“Lanternas Vermelhas”, “Herói”) e Wong Kar-Wai (“Amor à Flor da Pele”), “A Partida” serve para colocar o Japão em pé de igualdade com as produções do país vizinho e lembrar que a pequena (territorialmente) nação asiática já presenteou o público com pérolas como “Dolls” e “O Samurai do Entardecer”. É a sabedoria oriental colocada em prática a favor do amor e dos sentimentos mais intensos.
A PARTIDA
(Okuribito / Departures, Japão, 2008)
Direção: Yôjirô Takita.
Roteiro: Kundo Koyama.
Elenco: Masahiro Motoki, Tsutomu Yamazaki, Ryoko Hirosue, Kazuko Yoshiyuki, Kimiko Yo, Takashi Sasano.
Drama.
130 min.
(Cor).
Principais prêmios e indicações:
Oscar: Filme estrangeiro.
Academia japonesa: Filme, Diretor, Montagem, Iluminação, Roteiro, Som, Fotografia, Ator (Masahiro Motoki), Ator coadjuvante (Tsutomu Yamazaki) e Atriz coadjuvante (Kimiko Yo).
Asian Film Awards: Ator (Masahiro Motoki).